Resumo
Guimarães Jazz
29ª edição
As circunstâncias em que se realizará a vigésima nona edição do Guimarães Jazz serão especialmente exigentes tendo em conta o estado excecional de emergência determinado pela pandemia que atingiu o mundo no início de 2020 e que, desde então, tem provocado alterações radicais no modo de organização da sociedade. Perante um cenário de grande incerteza, o Guimarães Jazz encara o presente contexto como uma oportunidade para o festival descobrir novos pontos de vista sobre o jazz que possam ir de encontro às expetativas e desejos dos artistas e do público. Assim sendo, o programa é centrado sobretudo em projetos que envolvem músicos portugueses e alguns músicos estrangeiros a residir em Portugal (a única exceção será a Radiohead Jazz Symphony, um conjunto de seis músicos holandeses dirigidos por Reinout Douma e que atuará em conjunto com a Orquestra de Guimarães), um formato que permite um olhar mais alargado do que o habitual sobre o panorama musical nacional e que é, ao mesmo tempo, uma forma de catalisar novas colaborações e suscitar diferentes aproximações artísticas. A impossibilidade de realizar os workshops e as jam sessions em condições que permitam cumprir as suas funções pedagógicas e conviviais (importantíssimas em eventos com esta natureza), obrigou a uma adaptação do festival mas, na ponderação do balanço entre as vantagens e as desvantagens deste formato temporário, prevaleceu a ideia de que a linha de força mais importante do Guimarães Jazz é a aceitação dos desafios do tempo, inventando soluções que lhe permitam alargar horizontes, e que essa será, no contexto altamente insólito em que atualmente vivemos, a melhor forma de honrar o património de resistência e de luta pela liberdade inscrito na memória genética do jazz.
São três músicos de gerações, geografias e estilos diferentes, mas partilham uma relação de proximidade e afinidade com Portugal. A abrir o festival, o saxofonista Andy Sheppard, um músico e compositor com uma longa e notável carreira no jazz europeu, apresentar-se-á com o quarteto Costa Oeste, um grupo improvável constituído pelo contrabaixista e compositor Hugo Carvalhais, pelo já veterano e prestigiado guitarrista Mário Delgado e Mário Costa, um baterista proeminente da nova geração do jazz português. No segundo dia, o Guimarães Jazz receberá pela primeira vez o mediático Peter Evans, um trompetista de grande virtuosismo técnico e com uma atividade musical de largo espetro, comprovado pelo formato de concerto-duplo com que se apresentará: num primeiro momento com o baterista da cena pós- free jazz contemporânea Gabriel Ferrandini, e em seguida numa formação insólita de trompete/acordeão/contrabaixo ao lado de dois músicos com provas dadas de grande competência: João Barradas e Demian Cabaud. Julian Argüelles é um cúmplice de longa data do festival, que acompanhou de perto a sua afirmação no circuito jazzístico do mais alto nível e atuará em septeto, um ensemble de bons músicos portugueses que interpretará as composições de Argüelles naquela que será a estreia absoluta deste ensemble.
Além destas três formações, que refletem o eixo colaborativo do programa desta edição do festival, apresentar-se-ão em nome próprio dois músicos que nos últimos anos têm vindo a consolidar o seu percurso em campos quase diametralmente opostos do jazz. César Cardoso é um compositor e arranjador com uma carreira profícua e diversificada sobretudo no jazz orquestral e apresentará em Guimarães o projeto Dice Tenor, dedicado a standards celebrizados por grandes saxofonistas tenor da história desta música. Por seu turno, Pedro Melo Alves, cujo concerto encerrará esta edição do festival, é um baterista e compositor que se move preferencialmente pelos territórios mais tangenciais do jazz, incorporando elementos do rock e do experimentalismo na sua música, e apresentará, por proposta do Guimarães Jazz, uma versão alargada do seu Omniae Ensemble, originalmente um septeto reconfigurado numa big band de vinte e três músicos e uma instrumentação invulgar que inclui uma secção de vozes e percussões eletrónicas dirigida pelo percussionista Pedro Carneiro.
O restante programa ficará completo com as parcerias do festival com associações/coletivos a operarem na música e que transitam dos anos recentes. A cada vez mais competente Orquestra de Guimarães atuará, como já foi referido, sob direção do arranjador e fundador da Nordpool Orchestra, interpretando o reportório da influente banda de pop-rock Radiohead. A Porta-Jazz propõe o espetáculo Sombras da Imperfeição, um quarteto improvável de piano/guitarra portuguesa/clarinete/bateria liderado pelo pianista Hugo Raro e com cenografia e desenho em tempo real de JAS, e, por último, a Sonoscopia apresentará um projeto colaborativo de eletrónica/percussão/vídeo entre a dupla @c (Miguel Carvalhais e Pedro Tudela), o baterista Gustavo Costa e o designer Rodrigo Carvalho. Uma última nota para a participação da Big Band da ESMAE que, neste ano, ao contrário do habitual, será dirigida pelos professores da própria instituição.
Apesar das limitações impostas pelas contingências, o Guimarães Jazz mantém-se fiel à sua identidade, sustentada no ecletismo e numa grande abertura estilística e geracional, pelo que em 2020, tal como em todos os anos do seu longevo percurso, o festival apresenta ao seu público um grupo alargado de músicos de grande qualidade e que, independentemente das circunstâncias, estão neste palco por mérito próprio. Através deles, promovemos simultaneamente o respeito pela herança do jazz e a atenção para com o seu futuro, assumindo assim o Guimarães Jazz como ponte intermediária de diálogo entre diferentes visões/audições do mundo num tempo marcado por alarmantes constrangimentos narrativos.
Ivo Martins
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