Breve introdução
Guimarães Jazz 30 anos
Hoje, passados 30 anos desde a sua fundação, o Guimarães Jazz vive uma era diferente, determinada por uma alteração profunda, embora silenciosa, de paradigma. Com o passar do tempo, o festival alterou-se, acompanhando o movimento das suas circunstâncias envolventes, e foi sempre enfrentando sem receio o inevitável desfasamento entre realidade e ficção. Nestas três décadas de existência fizemos de tudo: pusemos em prática visões utópicas e disruptivas, tendo fracassado e acertado, recuperado e aperfeiçoado algumas delas, sempre guiados por uma ideia de reavivamento do espaço público visto como esfera social e cultural integrada. Afirmámo-nos essencialmente como uma experiência alargada de divulgação do jazz que se manifesta por opções polivalentes, transgeracionais, complexas e pluridisciplinares, suscetíveis de transpor todas as fronteiras deste género musical.
Não existe um jazz fixado numa fórmula inamovível de música normativa. Foi a partir desta conceção, transformada em matriz orientadora, que ao longo do tempo fomos estruturando o Guimarães Jazz. Neste ano, que mais do que nunca se pode qualificar como de transição, o festival volta a apresentar um programa onde se repudiam as uniformidades de grupo, tendo por base um princípio simples de diversidade das expressões artísticas. Na sua edição de 2021 deve destacar-se sobretudo a equidade qualitativa e mediática das propostas musicais apresentadas. A ausência de aquilo que se costuma designar por "grandes figuras" ou "cabeças-de-cartaz" é, no entanto, contrabalançada pela apresentação de um grupo coeso de projetos em que pontificam alguns dos nomes essenciais do jazz global contemporâneo, independentemente do seu estatuto mediático, tais como o pianista Vijay Iyer, o compositor e arranjador Jim McNeely, o guitarrista Marc Ducret, o contrabaixista Chris Lightcap ou o baterista Gerry Hemingway.
O Guimarães Jazz 2021 será inaugurado pelo novo trio do pianista de ascendência indiana Vijay Iyer, acompanhado por dois excelentes músicos da cena jazzística nova-iorquina: a baixista malaia Linda May Han Oh e o baterista norte-americano Tyshawn Sorey. Num programa em que a tónica dominante é, ao contrário do que tem sido a tendência dos últimos quinze anos do festival, a preponderância de músicos com origem fora dos Estados Unidos da América, o contingente norte-americano será representado também pela banda de jazz idiossincrático de Chris Lightcap SuperBigmouth (acompanhado por um grupo de nomes notáveis da música atual como Tony Malaby ou Chris Cheek) e pelo Black Art Jazz Collective, um grupo constituído por instrumentistas de renome, entre eles o saxofonista Wayne Escoffery e o trompetista Jeremy Pelt. No âmbito dos concertos de grande perfil apresentar-se-ão também concertos do quarteto do saxofonista porto-riquenho Miguel Zenón, um músico que acompanhou de perto a história do Guimarães Jazz, e dois dos projetos colaborativos do festival: o já tradicional concerto da Big Band da ESMAE, este ano dirigida pelo compositor e arranjador Ryan Cohan, e a nova edição da parceria com a Orquestra de Guimarães, desta vez em conjunto com Niels Klein Trio, dirigido por este talentoso saxofonista da nova geração do jazz alemão.
Em 2021, o Guimarães Jazz consolida também uma vertente que se tem vindo a acentuar na programação nos últimos anos do festival, relacionada com uma maior atenção a projetos internacionais de menor perfil mediático mas que acrescentam uma dimensão de risco musical e intimidade emocional por vezes difícil de atingir nos concertos que têm lugar no grande auditório. Este ano esse espaço será ocupado num primeiro momento pelo WHO Trio, uma formação helvético-americana de avant-jazz que inclui o histórico baterista Gerry Hemingway, e pelo duo do trombonista suíço Samuel Blaser em colaboração o guitarrista francês Marc Ducret, reconhecido pela crítica jazzística como um dos músicos mais influentes do jazz europeu dos últimos trinta anos.
Esta edição do Guimarães Jazz, na qual se voltam a repetir as parcerias com a associação Porta-Jazz (assumida este ano por um quinteto liderado pela performer Inês Malheiro, em colaboração com a artista Carolina Fangueiro) e com o coletivo Sonoscopia (que propõe o duo de improvisação não convencional formado por Henrique Fernandes e Joana Sá), será finalmente encerrado, como é habitual, por uma orquestra. Neste caso, caberá à prestigiada Frankfurt Radio Big Band, que regressa a Guimarães para um concerto dirigido pelo reputado diretor musical e arranjador Jim McNeely e em colaboração com a saxofonista chilena Melissa Aldana, uma das figuras emergentes do jazz atual, a responsabilidade de colocar um ponto final num ciclo de trinta anos deste festival, celebrados com o ecletismo e a diversidade estilística, geracional e geográfica que são, ou pelo menos assim o acreditamos nós, o presente e o futuro desta música.
Ivo Martins
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