Breve introdução
Guimarães Jazz 2023
32ª edição
Em 2023, depois de uma edição marcada pelo regresso ao formato de comunhão estreita entre o público e os músicos caraterística deste festival e por um tom de assumida celebração dadas as circunstâncias de reabertura do mundo após um período de paralisação temporária, o Guimarães Jazz enfrenta um cenário em transformação profunda, uma transformação que se afigura agora não apenas tecnológica ou estética, mas uma verdadeira mudança de puro funcionamento do sistema. Assim sendo, o alinhamento da sua trigésima segunda edição pode ser eventualmente considerado mais circunspecto e intelectualmente exigente em termos das suas propostas, mas, tal como sempre aconteceu ao longo da história deste festival, continua a privilegiar o primado da diversidade e da escolha independente, ciente de que são as decisões do presente que determinam o futuro por enquanto incógnito. Em termos gerais, o programa de 2023 é caracterizado, tal como sempre acontece, pelo equilíbrio entre a tradição e a inovação e pelo ecletismo estilístico, geográfico e geracional das propostas e dos músicos que nelas participam. A constatação desta evidência não impede, porém, o reconhecimento de que nesta edição se presta uma atenção particular à cena jazzística nova-iorquina da atualidade e às expressões de tendência experimental, cada vez mais preponderantes na linguagem do jazz contemporâneo, sendo também de destacar a significativa presença de músicos europeus em praticamente todos os projetos apresentados, um sinal evidente do descentramento definitivo do fenómeno jazzístico em relação ao seu território de origem.
A abertura e o encerramento do Guimarães Jazz 2023 serão protagonizados por duas orquestras, uma proposta dupla que funciona como um espelho refletor de dois polos diferenciados desta dimensão da prática criativa jazzística. O primeiro dia será inaugurado por um ensemble que é considerado um dos representantes mais prestigiados da mais pura tradição jazzística nova-iorquina: a icónica Vanguard Jazz Orchestra, um ensemble com mais de meio século de atividade e atualmente dirigida pelo prestigiado compositor e arranjador Jim McNeely. O último concerto desta edição será, por sua vez, da responsabilidade da big band liderada pela compositora e pianista dinamarquesa Kathrine Windfeld, um dos nomes em destaque na nova vaga do jazz orquestral europeu, e que terá como solistas convidados o guitarrista israelita Gilad Hekselman e o saxofonista afro-americano Immanuel Wilkins. O naipe de propostas orquestrais incluídas no programa deste ano é ainda complementado pela reedição da parceria entre o festival e a Orquestra de Guimarães, a qual desta vez acompanhará o Mário Costa Quarteto, formado, para além do talentoso baterista português que lidera este projeto, por três instrumentistas reputados do circuito jazzístico mundial: o contrabaixista Bruno Chevillon, o trompetista Cuong Vu e o teclista Jozef Dumoulin.
Uma das mais canónicas formações do jazz (quarteto de piano, saxofone, contrabaixo e bateria) merecerá particular destaque nesta edição do Guimarães Jazz, sendo representada por três grupos com identidades e sonoridades distintas. Em primeiro lugar, devemos destacar a banda “Something More” liderada por Buster Williams, um contrabaixista epicentral do movimento do jazz de fusão, cúmplice criativo do lendário Herbie Hancock, e aquele que será eventualmente o nome de maior ressonância “histórica” deste programa. No segundo dia do festival caberá ao quarteto de Aaron Parks, um pianista que regressa ao palco de Guimarães desta vez com um projeto em nome próprio, a missão de interpretar e reinventar o legado da tradição do jazz norte-americano. Finalmente, o ensemble de composição coletiva e improvisação Landline Plus One, composto por quatro instrumentistas altamente identificados com a cena jazzística nova-iorquina – Jacob Sacks (outro pianista com uma relação de grande proximidade com Portugal), Chet Doxas, Vinnie Sperrazza e Zack Lober – e expandido pela colaboração com a jovem trompetista holandesa Suzan Veneman, atuará no pequeno auditório do CCVF e será também responsável pela direção das jam sessions, das oficinas de jazz e do concerto em colaboração com a orquestra de jazz da ESMAE.
Em sentido inverso ao do cânone jazzístico, o alinhamento do Guimarães Jazz 2023 apresenta três propostas em que são abordadas as zonas de interseção do jazz com a experimentação e as tendências vanguardistas da contemporaneidade. Para além da parceria com a Sonoscopia – que desde já vários anos cumpre este objetivo de exploração de expressões tangenciais ao fenómeno jazzístico e que nesta edição sugere um concerto a solo do extraordinário compositor e multinstrumentista Elliot Sharp, uma proposta fortíssima que reafirma a pertinência da relação institucional entre o festival e este coletivo incontornável da música experimental portuguesa –, este espaço estético será preenchido por dois grupos protagonizados por alguns dos instrumentistas mais livres e criativos da música contemporânea. O contrabaixista e compositor britânico Barry Guy – um dos nomes cruciais da música europeia das últimas cinco décadas – atuará no pequeno auditório do CCVF em trio, acompanhado por dois instrumentistas excecionais – a violinista suíça Maya Homburger e o pianista espanhol Agustí Fernández – num projeto em que se cruzam o jazz, a improvisação livre e a tradição da música erudita europeia; no mesmo dia à noite, desta vez no grande auditório, surgirá em palco o septeto New Digs, liderado pelo contrabaixista Michael Formanek, uma das figuras mais influentes do jazz de tendência avant-garde de Nova Iorque, e composto por um grupo de instrumentistas notáveis, entre eles a guitarrista Mary Halvorson e o baterista Tomas Fujiwara, dois nomes em ascensão no circuito do jazz contemporâneo.
Finalmente, o programa do Guimarães Jazz 2023 ficará completo com a reedição das parcerias com a Associação Porta-Jazz – a proposta deste ano é um quarteto liderado pelo saxofonista José Soares em colaboração com a artista/videasta argentina Várvara Tazelaar – e com o Centro de Estudos de Jazz da Universidade de Aveiro – que este ano distinguiu o Pedro Molina Quarteto com o prémio de melhor ensemble e de melhor arranjo original –, reafirmando assim o compromisso do festival com o aprofundamento das suas relações com as instituições que consideramos desenvolverem um trabalho meritório no campo do jazz nacional tendo como objetivo promover a criação artística no âmbito deste território musical.
Ivo Martins
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